Cresci em Curitiba entre as décadas de 80 e 90, numa época em que a tecnologia era praticamente inexistente no dia a dia das crianças. Brincava na rua, soltava pipa, andava de bicicleta, fazia carrinho de rolimã. Nada de tutoriais no YouTube, buscas no Google ou conversas nas redes sociais — e muito menos match no Tinder. Tudo era construído na base da criatividade, do improviso e da curiosidade natural.
Falando assim, acredito que há gente da minha idade — ou mais velha — dizendo que “aquela foi a melhor fase da vida”. Em partes, até posso concordar (se tivesse tecnologia, eu também amaria), mas digo isso com uma diferença: eu conheci os dois lados. Vivi o mundo analógico em sua essência e, mais tarde, mergulhei fundo no universo digital.
Foi apenas aos dezessete anos que tive meu primeiro computador. Só quem tem 40 anos sabe o que era abrir a internet de madrugada, escutar aquele som famoso de discagem e navegar (torcendo para ninguém tirar o telefone do gancho). Nem o Google existia ainda — eu, por exemplo, usava o Cadê.
Já morando em Santos/SP, para onde vim prestar serviço militar na Marinha e seguir carreira, a vida não foi fácil. Como alguns, acabei migrando para a engenharia de computação, e foi ali que minha relação com a tecnologia ganhou corpo. A paixão pelo design e pela comunicação, no entanto, sempre esteve viva dentro de mim. Uma sementinha que algumas pessoas ajudaram a despertar me levou, no ano de 2000, a trocar os códigos de programação pelo universo da propaganda. Formei-me em 2004 e nunca mais parei de estudar.
Conto isso porque é com esse olhar íntimo e vivencial que observo o atual debate sobre Inteligência Artificial (IA). É curioso perceber que, apesar de todo o avanço, ainda somos reféns de nossos medos e resistências. O “boom” da IA trouxe um tsunami de opiniões, manchetes alarmistas e discussões acaloradas, mas, em sua maioria, com foco nos riscos e malefícios. Pouco se fala sobre as oportunidades. E, mais uma vez, estamos diante de uma ferramenta sendo julgada como se fosse a fonte dos problemas da humanidade.
Neste artigo, proponho um paralelo entre esse fenômeno e alguns dos maiores desafios que a sociedade moderna já enfrentou. Passaremos pela questão das fake news — o verdadeiro mal do século — e pelas diversas formas de enviesar opiniões públicas.
Fake News: O Verdadeiro Mal do Século
Muito antes de a Inteligência Artificial ganhar protagonismo, as fake news já existiam — só que com outro nome: fofoca. Sim, aquelas boas e velhas fofocas de bairro, que sempre encontravam uma senhora experiente disposta a espalhá-las com maestria e uma velocidade quase comparável à de um Wi-Fi humano. A diferença é que, naquela época, a desinformação não se espalhava na mesma proporção e intensidade que vemos hoje.
Com a ascensão das redes sociais, vimos campanhas eleitorais inteiras serem decididas com base em notícias falsas e narrativas manipuladas. A verdade deixou de ser o fator primordial na formação de opinião, sendo substituída pela crença conveniente. Esse fenômeno tem menos a ver com tecnologia e mais com a exploração psicológica de nossos vieses cognitivos.
A diferença hoje é que a Inteligência Artificial potencializa essas dinâmicas, acelerando e refinando o processo de desinformação. Mas é um erro colocar a culpa na IA. Se não fosse essa tecnologia, outra ferramenta seria utilizada para o mesmo fim.
O Viés da Opinião Pública
Outro ponto que antecede a IA e merece ser analisado é o controle da narrativa na formação da opinião pública. Se voltarmos na história, veremos que a manipulação da percepção coletiva sempre esteve presente. Desde jornais sensacionalistas do século XIX até os algoritmos modernos das redes sociais, quem detém o poder da comunicação tem a capacidade de moldar a realidade.
A Inteligência Artificial, por sua vez, apenas tornou esse processo mais eficiente. Modelos de IA são treinados com grandes volumes de dados e aprendem padrões de comportamento, prevendo e influenciando decisões humanas de forma quase cirúrgica. Isso pode ser assustador? Sim. Mas também pode ser incrivelmente benéfico, se usado corretamente.
Em vez de temermos a IA, devemos nos preocupar com a transparência dos sistemas que a utilizam. Quem está treinando esses algoritmos? Quais são os dados de entrada? Quais são os filtros aplicados? Essas são as verdadeiras questões.
IA: Vilã ou Aliada?
Chegamos, então, à Inteligência Artificial. Muito se fala sobre os riscos — perda de empregos, desinformação em massa, manipulação de eleitores —, mas pouco se fala sobre as oportunidades que essa tecnologia pode proporcionar.
A IA pode ser um poderoso instrumento para campanhas eleitorais mais inteligentes, baseadas em dados reais e segmentação precisa de eleitores. Pode otimizar a comunicação governamental, tornando-a mais acessível, eficiente e transparente. Pode, ainda, ajudar a combater fake news, identificando e desmentindo informações falsas com velocidade.
E, para aqueles que temem que a IA substitua a inteligência humana, vale lembrar: qualquer tecnologia mal utilizada pode gerar danos. O problema nunca foi a ferramenta, mas sim quem a utiliza.
O Paradoxo da COVID-19 e o Mundo Analógico
Para concluir essa reflexão, vale um paralelo com um evento recente e de impacto global: a pandemia de COVID-19. No início, o medo era a única resposta possível. Muitos resistiram às mudanças; outros se recusaram a aceitar a gravidade da situação. No entanto, foi só quando entendemos o vírus, desenvolvemos vacinas e adaptamos nossas rotinas que conseguimos seguir em frente.
O mesmo ocorre com a Inteligência Artificial. Não adianta demonizá-la — ela já está entre nós. O que precisamos é aprender a usá-la para melhorar nosso trabalho, otimizar processos e potencializar nosso conhecimento. E, claro, para aqueles que utilizam essa tecnologia para propagar desinformação e prejudicar a democracia, que a Justiça seja firme e implacável.
E se voltarmos ainda mais no tempo, veremos que, mesmo no mundo analógico, o caos existia: crises econômicas, guerras frias, manipulação de massas, censura… Tudo isso já estava presente antes de qualquer algoritmo. O problema nunca foi a falta ou o excesso de tecnologia. O problema é humano.
A verdade é que a história sempre nos mostrou que o problema não está na ferramenta, mas em quem a controla. O desafio agora é garantir que a Inteligência Artificial seja usada para o bem, fortalecendo a democracia e a comunicação política. O futuro não será definido pela tecnologia, mas sim pelas escolhas que fizermos com ela.
A Inteligência Artificial não vai decidir o futuro da humanidade. Nós é que vamos. E a pergunta que deixo aqui para reflexão é: vamos usá-la para iluminar ou para manipular?
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*Christian Jauch é publicitário com mais de 20 anos de experiência nas áreas de comunicação institucional, marketing político e branding. Atua como estrategista, articulando soluções que integram design, inovação, tecnologia e posicionamento de marca, sempre com foco em impacto, autenticidade e propósito. Com formação multidisciplinar e sólida base acadêmica, é MBA em Comunicação Governamental e Marketing Político pelo IDP Brasília, com especializações em marketing, design estratégico e inovação. É também membro da comunidade IA Skill, voltada ao estudo de novas tecnologias e à aplicação ética da inteligência artificial. É membro fundador da Alcateia Política, coletivo de estrategistas políticos, integrante do CAMP (Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político) e autor de diversos artigos especializados e coautor da série Comunicação Governamental e Marketing Político, publicada pela Editora IDP.
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