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Opinião Domingo, 21 de Julho de 2024, 08:31 - A | A

Domingo, 21 de Julho de 2024, 08h:31 - A | A

JOÃO ELOY

Ciganos na corruptela

João Eloy

Havia ali, um acampamento temporário de garimpeiros e no marasmo dos ranchos entre as grupiaras, corriam de boca em boca, histórias sobre visitas inesperadas que já haviam recebido de ciganos e revoltosos.

Os mais idosos, enquanto o faziam as crianças dormirem balançando nas redes sob a luz de lamparinas, contavam para elas o que seus pais e eles mesmos já haviam visto.

Para aquelas crianças de olhinhos arregalados e curiosos, diziam que os ciganos chegaram até ali, subindo pela serra do “Tope de Fita” em seus cavalos bem ajaezados, pelegos coloridos e os correames com inúmeras argolas douradas. Seus pelos eram tão brilhantes que mais pareciam armaduras de guerreiros antigos.
Os narradores descreviam as mulheres daquelas tribos, dizendo que eram jovens, com cabelos longos chegando até a cintura, saias supercoloridas, chegando até as canelas. Nas orelhas usavam enormes brincos de argola. Em seu caminhar suave vinham à frente, com sorrisos largos, prometendo olhar a sorte e mudar o destino das pessoas. Algumas traziam nos ombros macacos amestrados, que adivinhavam pensamentos a troco de algumas moedas, um xibio (diamante pequeno) ou alguns gramas de ouro.

Ora, naquela corruptela que era espaço habitado pelo comodismo da solidão e pelo quase esquecimento de uma riqueza inatingível, muitos caíam facilmente nas conversas doces das ciganinhas. Até mesmo um primo meu causou inveja à sua turma, pois fora seduzido e levado pelas mãos até uma tenda.

 janela logo se fechou e ele contou aos colegas que, sob o cheiro de forte incenso, a luz da lua se foi, ficando lá fora à espera de uma brecha para entrar e, lá dentro, eles dois viraram um só, corpo e alma na agitação da trama. Meu primo descrevia seu corpo latejante e flutuante, de forma perigosa, sabendo que a claridade estava bem ali ao seu alcance, enquanto se envolviam na escuridão, numa agradável “luta” de titãs. Depois penderam exaustos, sentindo no ar um cheiro de hortelã e promessas vãs...

Num implacável trabalho de formiguinhas os ciganos iam penetrando em veredas, trilhas, barracos e grupiaras, buscando cacarecos que, para eles, serviam como matéria prima: bicicletas sem pneus, máquinas de costura enferrujadas, ferros de engomar antigos, almofarizes, cacos de ferramentas agrícolas, até mesmo carcaças de carros abandonados lhes interessavam, com o capô escancarado havia tempos, exibindo peças do motor como se fôra uma boca aberta com seus dentes enferrujados, sorrindo para a desgraça alheia.

Os habitantes do garimpo, sem nenhuma outra opção, também verdadeiros nômades, buscando no subsolo colherem, o que nunca plantaram, já estavam cansados daquelas sucatas e viam ali uma chance de se desfazerem daquele incômodo, para eles sem nenhuma serventia.

Até um cavalo velho do meu avô, que parecia estar com os dias contados, os ciganos adquiriram, usando a técnica do escambo, oferecendo em troca panelas e talheres de cobre.

Satisfeitos e realizados os ciganos se despediam da corruptela, reiniciando sua viagem aparentemente sem rumo, numa caravana festiva, semeando alegria e sorrisos e ... prometendo um breve regresso!

João Eloy é chapadense, médico, professor, escritor, compositor, músico, apresentador do Programa Varanda Pantaneira e articulista do Alô Chapada.

 

O Alô Chapada não se responsabiliza pelas opiniões emitidas neste espaço, que é de livre manifestação

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João MS Filho 21/07/2024

Que belo conto... Parabéns meu lambadeiro cuiabano de chapecruz...

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Mirts 21/07/2024

Texto envolvente!

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2 comentários

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