"Seu trabalho é misterioso e importante". Essa é uma frase repetida por alguns personagens durante o passar dos episódios de Ruptura, uma das séries mais aclamadas do catálogo da Apple TV+ . A produção chega à aguardada segunda temporada e a frase ganha ainda mais importância com a narrativa mais misteriosa enquanto o desenrolar dos fatos parece ser cada vez mais impactante. Os episódios semanais serão lançados todas às sextas.
O novo ano da produção é uma consequência imediata dos fatos apresentados no último episódio, lançado em abril de 2022. A situação, que já parecia complexa, ganha mais camadas com a apresentação de novos mistérios. O que eles estão fazendo no andar da ruptura da Lumon? O que aconteceu com a esposa de Mark S? Qual o motivo para uma pessoa tão importante como a Helena Eagan escolher fazer a cirurgia para viver outra vida dentro da Lumon? Todas essas perguntas assombram os espectadores que vão se deparar com algumas respostas e novos questionamentos na segunda temporada.
A série é muito mais do que a novidade que apresenta na temporada de estreia, em que pessoas optam por separar a personalidade do trabalho com a do restante da vida. "Se você quer fazer uma nova temporada de uma história, é preciso expandir e melhorar o que foi feito antes. Se não, por que você faria?", questiona Adam Scott em resposta ao Correio. "O que queríamos era uma temporada ainda melhor do que a primeira. Essa é uma regra extra oficial. Queremos satisfazer a audiência responder uma pergunta ou outra da temporada anterior enquanto perguntamos outras coisas", complementa.
Nesta sequência para narrativa não só Mark (Adam Scott), mas Helly (Britt Lower), Dylan (Zach Cherry) e Irving (John Tuturro) se desenvolvem tanto dentro quanto fora da Lumon, empresa onde trabalham. Enquanto a personalidade de dentro, o chamado "innie", está tentando descobrir os motivos de estar ali, o "outie", personalidade de fora, está em outra jornada. E de certa forma tudo leva para o mesmo lugar: o de um trabalho misterioso e importante.
A ideia de importância e mistério é, portanto, o cerne da história. "Essa é a essência do seriado. Nós sabemos que algo está acontecendo, mas não sabemos exatamente o que é", afirma Ben Stiller, que assina a direção de alguns episódios, além da produção executiva da obra. "O mistério é importante", comenta Zach Cherry em tom de brincadeira, mas com uma frase que realmente parece resumir o que atrai o público para a história.
A sensação de uma lacuna que precisa ser preenchida domina a série, que é campeã em teorias nos fóruns virtuais desde 2022. Porém, não é a vontade de saber, mas sim a ânsia de descobrir com um raciocínio próprio que move o público. "O que eu mais gosto dos fãs é que toda vez eles falam que estão animados para saber sobre o desenrolar da história, mas não querem que a gente conte nada. Tem sempre o momento do: 'por favor, me conta, mas não me conta nada'", afirma Britt Lower.
"É como se todo mundo quisesse saber e não saber ao mesmo tempo. Porque quando a resposta chega fácil é um pouco chato. Seguir a história e pegar pequenas partes da informação mantém todos com a série", diz John Turturro. O ator entende que a série é como um quebra-cabeça, mas que vai revelando as peças aos poucos para o público. "Todo mundo acha que quer saber, mas a resposta está no público tentar completar a equação", acrescenta o ator.
Ruptura traz, em um invólucro bonito, uma mensagem densa e importante na discussão da realidade. "Nós queríamos algo que tocasse nesses problemas, mas que servisse como uma fuga da realidade também", diz o criador e roteirista Dan Erickson. "Minha esperança é que os temas da produção sejam um pouco perigosos e que afetem de alguma forma o status quo. Essa é a intenção sempre que se cria uma história dessa", completa.
Ou seja, por meio da ideia de atiçar a curiosidade do público, a série também age como um cavalo de Troia. "Acho que muitas pessoas se interessam pela série por conta do caráter de thriller. E, a partir disso, essas ideias escondidas dentro da narrativa ficam para além do que elas estavam esperando assistir", pondera Zach Cherry. "É empolgante ver como o público se conecta com a produção e o que tiram dela. Tem muitos temas que estamos questionando e explorando, é legal ver o quanto isso chega as pessoas de formas tão diferentes", exalta.
Para Patricia Arquette, que vive a importante antagonista da primeira temporada, Cobel, a série diz muito sobre as questões sociais da atualidade. "Estamos vivendo uma crise como seres humanos e a série é um ponto de vista desse vortex que estamos dentro", analisa a vencedora do Oscar por Boyhood. "Mesmo sendo uma ficção científica e algo ficcional, a estrutura da Lumon nós estamos criando como humanidade por milhares de anos", adiciona.
Dessa forma, o grande acerto da série é contar uma história completamente fora da realidade, mas com temas extremamente relacionáveis nas entrelinhas. "Nós compartimentamos a nossa vida para que tudo funcione, e para que possamos lidar com os desafios que ela propõe. Eu acho que é por isso que a série é tão efetiva, porque há um entendimento e uma acessibilidade nela que o público consegue dialogar e se identificar", acredita Trammel Tillman, responsável pelo personagem Milchick, que ganha muita importância na nova história. "Independentemente de você viver naquele mundo, você sabe o que é ir para um trabalho que você não gosta, ou estar em uma posição que você não tem ideia do que está rolando, ou ser empurrado para um nível de desconforto, ou até se perguntar quem você ou o que quer em relação aos outros", explica.
Viver é uma ruptura
Com a nova abordagem narrativa da segunda temporada, quatro dos principais atores da série ganham praticamente um novo personagem. Mark, Helly, Dylan e Irving têm as versões "innie" e "outie". São muitas formas de explicar como fazer esse trabalho de dois personagens. Para Christopher Walken, que também tem a oportunidade de dar a nuance "outie' ao personagem que tinha um innie na primeira temporada, a analogia perfeita é na forma da pergunta: "Como seria se sua mão direita fizesse algo sem saber o que sua esquerda está fazendo?". Já, Britt Lower encontra outra forma de entender. "Esses personagens soam como músicas diferentes de um mesmo instrumento ou de uma mesma banda. Porém, são com certeza dois lados de um álbum", diz a atriz.
Na visão da intérprete de Helly, os personagens são como discos de vinil. "Foi importante abordar as duas partes desses personagens e ter um carinho especial pelo que é compartilhado desses lados A e lados B. O subconsciente e o trauma estão guardados em algum lugar ali. Inevitavelmente isso vai influenciar os dois lados", comenta a atriz que inspira mais uma metáfora, dessa vez de John Turturro. "Nos antigos singles de 45 rotações, tinha o lado A e o lado B. Às vezes o lado B se saía melhor, mesmo não sendo pensado para ser o principal. Isso era um fenômeno".
Walken ainda consegue trazer para o âmbito real. O ator acredita que o próprio trabalho é uma ruptura. "Atuar é um pouco como uma ruptura. Tem uma pessoa no trabalho e outra em casa. Há uma diferença e uma estranha correlação", reflete o vencedor do Oscar por Franco Atirador. "Quando você é mais novo chega a ser difícil de dividir você mesmo do personagem que está interpretando. Você acaba se sentindo lá no alto, é difícil de mudar. Tem atores que apenas continuam, tem atores que bebem para se acalmar. Quando você aprende a separar é mais saudável", concorda Turturro.
Arquette ainda adiciona uma nuance mais real à discussão. "Eu acho que todo mundo passou pela ruptura na vida real", crê a atriz. "Temos uma personalidade on-line, uma pessoa para o trabalho, tem gente que tem uma segunda vida em um affair, uma pessoa no mundo dos games. Um indivíduo acaba sendo várias pessoas atualmente, em realidades desconectadas", completa.
"Nós fazemos isso desde o ensino fundamental, nós estamos nos conformando com estruturas e tentando achar nosso caminho durante toda a nossa vida", destaca Arquette. Ruptura pode parecer distante, mas nasce como uma perspectiva da sociedade que cerca os espectadores da série. "No final é uma história humana", conclui Tilman.
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