De certa forma, é até adequado que Super/Man: A História de Christopher Reeve seja o primeiro lançamento com o selo do DC Studios de James Gunn. O documentário não é uma produção da Warner Bros., mas foi adquirido por insistência de Gunn e do outro CEO do estúdio, Peter Safran, depois de ser exibido no Festival de Sundance. A julgar pelo logo retrô, pela promessa de fidelidade aos quadrinhos e pelas falas dos produtores, a nova empreitada dos heróis como Superman e Batman nos cinemas é algo enraizado na história desses personagens não só na página, mas também na telona.
E não há como contar a história da DC nos cinemas, especialmente do personagem que vai inaugurar este novo universo, sem passar pelo homem que melhor interpretou Clark Kent até hoje. O conhecimento popular sobre Christopher Reeve tipicamente se resume a duas coisas: ele foi o primeiro - e melhor - Superman dos cinemas e passou os últimos anos de sua vida paralisado do pescoço para baixo após um trágico acidente de hipismo. Esses dois fatos são apenas uma das facetas do filme de Ian Bonhôte e Peter Ettedgui, que apesar de ter sido produzido com a aprovação da família do ator, não é superficial como os documentários de celebridades produzidos hoje em dia, em especial por conta de como eles encontram paralelos entre a saga do personagem e a realidade do intérprete.
Com exceção de um ou outro título, como o documentário sobre Steve Martin lançado no primeiro semestre, esse tipo de filme é feito para massagear egos e tentar indicações ao Oscar (que, aliás, não vêm mais, já que os votantes de Melhor Documentário estão claramente boicotando esses lançamentos). Super/Man – cujo título descreve bem o contraste de Reeve na memória coletiva de quem passou a acreditar que o homem podia voar depois de vê-lo em 1978 e de quem lembra de quando ele sequer podia andar, quanto mais saltar por cima de um prédio – não oferecerá informações totalmente inéditas para quem conhece a biografia do astro, e tampouco investiga a fundo os lados mais delicados de sua vida, em particular a separação da mãe de seu filho primogênito. Para compensar, Bonhôte e Ettedgui não soltam mão da corrente emocional, e por mais que a dupla se apoie um pouco demais no sentimentalismo, é difícil culpá-los.
A vida de Reeve é uma de fortes sentimentos. Visualmente, a ideia mais criativa do documentário é usar o simbolismo do herói para representá-lo numa estátua do Superman em voo. Inicialmente triunfante, ela é eventualmente danificada com a linguagem verde da kryptonita, e assim vemos como um corpo que um dia decolou passou a estar quebrado.
Super/Man captura tanto a euforia romântica de seus tempos como Superman ao celebrar as qualidades dos filmes de Richard Donner* e como Reeve passou a encarnar o herói fora da ficção, quanto, em especial graças ao testemunho dos filhos dele, destaca a tristeza e lutas que permearam a segunda metade de sua vida. O resultado é o grande feito do documentário: ser um verdadeiro reflexo do super homem em seu centro. Assistir a Super/Man é entender quem foi Christopher Reeve, mais do que entender tudo sobre ele.
*Superman III e IV são ignorados até mais do que a separação do ator, o que diz muito sobre os filmes
Com isso, não quero dizer que não haja novidades até para quem sabe dos principais fatos de sua carreira e vida pessoal, só que este não é um grande trabalho de investigação. Fosse sobre uma pessoa viva ou sobre alguém com uma história menos dolorosa, Super/Man pouco ofereceria. Dado o foco em Reeve, porém, a decisão por ser uma grande comemoração (e lamentação) é compreensível e até necessária. A intenção é se apoiar no amor - e no luto - de familiares e fãs, e isso o filme faz muito bem. Ser informativo é outra questão, mas até nisso há bons resultados.
Ao tratar dos primeiros anos de Reeve como ator de teatro, os diretores encontram nos papéis que ele interpretou coisas que fogem um pouco da sua imagem de bom-moço, e ao narrar sua amizade com Robin Williams, oferecem os momentos mais devastadores de todo o filme. Por mais duro que seja ver depoimentos e registros sobre sua vida depois do acidente, ou da triste morte da segunda esposa de Reeve, mãe de seus filhos mais novos, pouco após do próprio falecer, ver Williams chorando ao discursar sobre a perda de seu querido amigo é a maior garantia de lágrimas em Super/Man.
Afinal de contas, hoje sabemos sobre as dificuldades de Williams com a depressão, e como essa doença o levou a tirar sua própria vida. Ali, Bonhôte e Ettedgui conseguem acenar para tudo isso sem jamais usar Williams como muleta ou perder o foco de seu filme. No trecho do documentário sobre a amizade dos dois, os diretores enfim parecem conseguir combinar a sensação de estar nos revelando mais sobre Christopher Reeve com sua busca por nos emocionar diante desta história. É um equilíbrio que nem sempre está lá, ainda que o filme nunca se torne pedante ou cansativo.
Mesmo quando parece identificar o óbvio, Super/Man: A História de Christopher Reeve mantém em tela a sensação de acompanhar o seu assunto principal de perto. O filme não é revelador, mas sempre se mostra fiel à realidade de Christopher Reeve, e não só entende por que o amamos, como compartilha deste carinho e até o intensifica.
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