Em Cuiabá, capital de Mato Grosso no tempo das secas (de junho a setembro), com muita dificuldade se obtém ali um pote de água. O córrego da Prainha, que antigamente conduzia grande volume de água, fica hoje completamente seco, e apenas nos tempos das chuvas conduziam grossas enxurradas, devendo-se isto a derrubada das antigas matas que povoam as suas cabeceiras.
Atualmente, na época das chuvas, o córrego da Prainha carrega uma enxurrada de esgoto sem tratamento para o rio Cuiabá, que vai poluindo as margens ao longo do rio até chegar diretamente no Pantanal mato-grossense, contaminar suas águas e matar os seus peixes, no dia a dia. A sua cabeceira continua sendo judiada lá pelas bandas da Concil.
A leitura da documentação dos séculos XVIII, XIX e do século XX permite perceber que não há uma concepção única de seca ou de enchente. Um estio mais longo e chuvas antecipadas nas cabeceiras podem receber esses nomes. Às vezes o relato de uma autoridade visa claramente afirmar sua competência pessoal, seu preparo para diagnosticar e apresentar soluções, aumentar seu poder e até sua remuneração. Outras vezes, certas descrições são claros manifestos políticos contra a parcela da elite local que está no poder. Aos poucos, comparando os documentos, penso ter conseguido evitar em parte, pelo menos, certa credulidade documental.
Depois, a seca de 1747-1749: [1747] (...) uma seca que se não viu chuva em todo este ano nem no seguinte, até os fins de mil setecentos e quarenta e nove, que pôs estas povoações em extrema miséria, faltando mantimentos, com o que não só padeceram as gentes, como também os animais, arderam os campos e os matos, que se não viu uma folha verde e só se viam cinzas e fumaças, conforme José Barbosa de Sá. Uma realidade atual. Uma tristeza. Fogo, fumaça, quentura, córregos e ribeirões secos e, assim, por diante.
Sobre esta, o Almirante Augusto João Manuel de Leverger, o Barão de Melgaço ou Bretão de Cuiabá reiterou o que está nos “Anais do Senado da Câmara de Cuiabá”: “Não houve chuva neste ano [1747] e nem nos dois seguintes”. Na virada dos anos 1820 para os anos 1830 outra persistente seca. E nos anos 1851, 1863, a população cuiabana sofria com a falta de água, além das de 1868, 1870, 1871, 1882, conforme Machado Filho, tudo causado pela escassez das chuvas. E perceba que naqueles tempos tínhamos muita mata e muitos córregos vivos cortando a cidade de Cuiabá.
No ano de 1860, boa parte das ruas centrais da cidade era descrita nos seguintes termos:(...) quase todas calçadas de pedra cristal, que quando lavadas pelas chuvas tornam-se muito asseadas. Hoje não temos esse asseio. O asfalto cobriu as ruas. Árvores foram arrancadas. A população cresceu. O urbanismo adensou. A quantidade de lixo cresceu. O esgoto percorre ruas da cidade junto com as águas servidas e vai enfrentando vilas e vielas, becos e ruas, até a providência chegar.
É comum andar pelas ruas de Cuiabá e não conseguir visualizar lixeiras em lugares estratégicos para uso da população. Quando deparamos com o famoso cata-tudo, na maioria das vezes está explodindo de lixos, detritos, entulhos, animais mortos e outros. Ao ser recolhido, normalmente, vai deixando sempre um rabo de sujeiras e porcarias, ao longo das ruas da cidade. Sem falar nos caminhos do esgoto e das águas servidas, os quais vamos desviando ou, muitas vezes tomamos um banho dado por aqueles motoristas mais afoitos e mal-educados.
“Os habitantes, porém, cuidam pouco de sua limpeza e o fiscal da Câmara, relaxando suas obrigações, consente que o córrego da Prainha e seus adjacentes sejam os lugares do despejo público, informa Maria Adenir Peraro”. Essas obrigações hoje são esquecidas, também, pelo poder público. E os banheiros públicos? Onde estão?
Parte da limpeza da cidade exigia a participação dos proprietários de imóveis urbanos, inclusive, daqueles que possuíam chãos ou terrenos urbanos ainda sem edificações. Esses terrenos precisavam ser murados em taipa ou em adobe, cobertos com telhas preventivas das águas de chuvas. Além disso, o espaço contíguo à fachada, frente ou testada das casas ou terrenos, bem como, os espaços contíguos aos fundos, tidos como faixas de transição entre o público e o domiciliar, tinham sua limpeza sob a responsabilidade dos proprietários. É normal encontrar terrenos baldios, muros caídos, matagais em pleno bairros nobres da cidade de Cuiabá. Eram as normas da época. E agora?
Atualmente, encontramos entulhos, lixos, detritos, principalmente no Centro Histórico de Cuiabá. Parece que aquele local não existe aos olhos das autoridades, principalmente municipal e o IPHAN. Uma podridão de xixi nas calçadas e nos calçadões. Uma nojeira. Insalubre. A maioria dos proprietários não cuidam dos seus terrenos e das suas calçadas. Também aí no centro histórico é meio difícil mesmo. Limpa hoje, suja amanhã, e assim vai. É só andar pela cidade e verificar ou fotografar para comprovar. A sujeira passou a fazer parte do urbano da cidade de Cuiabá e o mau cheiro, muitas vezes também. Grande contribuição dessa sujeira é culpa do próprio cidadão. Faz ligação clandestina de esgoto em galerias de águas pluviais, jogam plásticos e descartáveis pela cidade, etc. Seria interessante implantar a educação ambiental nas escolas, afinal os pequenos são os melhores veículos de comunicação que conheci nesse sentido.
“Fiz correição na conformidade das posturas municipais deste município, no dia 9 de fevereiro do presente ano, pelas ruas públicas desta cidade, ao que precedeu edital para os proprietários limpar suas testadas e fundos e na mesma forma foram multados por omissos seis cidadãos, lembrando Jurandir Freire Costa que as posturas municipais do século XIX tentavam regulamentar os despejos de detritos, lixos nas vias públicas, considerando que esses mesmos detritos e lixos poderiam ser carregados para os rios fornecedores de águas potáveis, através das enxurradas provocadas pelas chuvas”. É o que acontece hoje na cidade em sua grande maioria. E o rio Cuiabá vai agonizando. E as suas praias sendo poluídas e as suas margens sendo destruídas.
E atualmente, quem comanda essa fiscalização dentro do código de postura na Capital. Serviços Públicos? Limpurb? Saúde? Planejamento Urbano? Meio Ambiente? Ordem Pública? São tantos os órgãos e os problemas só se agravam. E qual a contribuição dos senhores Vereadores, representantes da população para fiscalizarem a administração da cidade. O que presenciamos são inúmeras irregularidades, as quais não temos um canal direto para pedir socorro e os vereadores se encontram lá na Câmara Municipal, bonitos e pomposos, salvos alguns. E a crueldade com o meio ambiente continuando.
A cidade cresceu, a população se elevou e a administração municipal não conseguiu acompanhar esse crescimento na capital. Necessário se faz que governantes eleitos virem os seus olhares para o saneamento (água, esgoto, lixo, tratamento, saúde, arborização, educação), urbanismo (retorno do planejamento urbano para Cuiabá), o gerenciamento do Centro Histórico e todos os seus problemas (abandono, casas abandonadas, o caso sério das drogas, seu comércio e a sua população doente que ameaça a cidade e afugenta o turismo). A criação de espaço adequado longe do centro histórico para acolher e tratar essas pessoas, tornando-as dignas, além de implantar a Guarda Patrimonial.
A população cuiabana precisa aprender a votar! Analise o seu representante antes de votar!
*Neila Barreto é jornalista, historiadora e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.
O Alô Chapada não se responsabiliza pelas opiniões emitidas neste espaço, que é de livre manifestação
Entre no grupo do Alô Chapada no WhatsApp e receba notícias em tempo real