Em Boa Esperança do Norte, a 476 km de Cuiabá, a plantação cobre os campos, o gado ruma ao pasto, e o Rio Teles Pires corta a mata como um espelho da abundância mas é a bandeira do Brasil que tremula soberana em cada canto. Oficialmente, a cidade nasceu 1º em janeiro de 2025. A caçula de Mato Grosso ostenta menos de 20% de suas ruas asfaltadas e coleta de lixo ainda é feita pelo município Sorriso, enquanto seus 7 mil habitantes vivem entre a opulência agrícola e a precariedade urbana.
Nós começamos ricos, mas precisamos de socorro urgente, clama o vereador Sidney Ferreira da Silva, o Sidney de Piratininga, 46 anos. Por lá, a direita finca raízes: comércios são patriotas desde os cardápios que celebram a greve dos caminhoneiros de 2018, a cidade grita sua fé na pátria e no conservadorismo.
A reportagem do Jornal A Gazeta, por dois dias, percorreu o chão de contrastes, onde fazendas de milho, feijão e soja margeiam uma cidade nascida dos municípios de Nova Ubiratã, que perdeu 360 mil hectares, ou 80% do território, e Sorriso, que cedeu os 20% restantes. Bandeiras verde e amarelas enfeitam lojas e bares, um eco do orgulho nacional que pulsa em uma região que se vê como esteio do Brasil. Nos restaurantes, cardápios exibem fotos da paralisação dos caminhoneiros de 2018 um marco para a direita brasileira. Mas, sob essa fachada, a infraestrutura range: ruas de terra, distritos sem saneamento e uma prefeitura improvisada revelam um município ainda em gestação.
Em meio a este cenário, a nova cidade conta com um orçamento total de R$ 55 milhões para este ano. Contudo, os recursos destinados a áreas essenciais expõem as contradições da gestão. A Secretaria Municipal de Assistência Social, Trabalho e Habitação recebeu R$ 2.061.427,00, valor crucial para viabilizar moradias e serviços básicos, enquanto a Secretaria Municipal de Obras, Transporte, Serviços Públicos Urbanos e Saneamento conta com R$ 9.630.668,00 para enfrentar a realidade dos 300 km de estradas que viram lama na chuva, a ausência de rede de esgoto e a precariedade das vias.
Nos distritos como Piratininga, a realidade é crua. Zero asfalto, zero rede de esgoto, nada, diz Sidney. Ele descreve as dificuldades enfrentadas nas estradas: Já socorri caminhoneiro atolado de madrugada, com criança. Só temos uma pá pequena pra tampar valeta. O apoio aos caminhoneiros, exaltado nos cardápios locais, não se traduz em pontes firmes ou máquinas suficientes. Duas patrolas e uns caminhões não sustentam, critica e apela ao estado: Se não bater na porta do governador, ele nem sabe que a gente tá precisando.
O prefeito Calebe Francio (MDB) governa de um prédio doado por uma cooperativa, que é da sua família, com mais de 25 anos na região, símbolo do espírito comunitário que os moradores valorizam, mas que evidencia a falta de estrutura. Tudo aqui é improvisado: licitações, começamos do zero em janeiro, conta, enquanto planeja alugar um espaço maior para aliviar as limitações do local atual. Enquanto isso, a produção de 700 mil toneladas de grãos por ano escoa por estradas precárias, contrapondo a riqueza agrícola com a fragilidade urbana.
A vereadora Danielly Rocha (DC) aponta a moradia como um nó a desatar. Precisamos de mão de obra, mas não tem casa. Um lote 15 por 30 custa R$ 180 mil. Como sonhar assim? Ela destaca que o custo de vida, aluguel, água, luz obriga os dois adultos da família a trabalharem, mas ainda assim sobra pouco para outras despesas. A falta de habitação acessível trava o crescimento. Sem gente, não vem indústria, e o município não destrava, alerta após 100 dias da primeira eleição na cidade.
Calebe, filho de Alberto Francio, fundador da colonizadora Sorriso que abriu essas terras nos anos 1970, carrega o legado familiar e a responsabilidade de transformar o improviso em estrutura sólida. Essa cooperativa que nos cedeu o prédio tem mais de 25 anos, diz o prefeito, orgulhoso, mas consciente de que, para além das bandeiras hasteadas, é preciso investimento e planejamento para que o orçamento de R$ 55 milhões traduza progresso real.
O Rio Teles Pires reflete as fazendas que ajudam a sustentar o país, enquanto a precariedade urbana clama por investimentos que tornem a cidade não só um símbolo do agro, mas um lugar onde a infraestrutura e a habitação sejam prioridade.
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